Na altura em que fui “des-cobrindo” o veganismo em mim despertei para uma série de novas reflexões sobre diversos assuntos. Hoje venho partilhar convosco uma dessas reflexões, que se prende com o melhor sentimento pelo qual podemos reger a nossa vida: o amor.
Há cerca de dois anos, quando fiz a transição para um estilo de vida mais alinhado com os meus valores, tive a sorte de ter alguém ao meu lado que me apoiou e incentivou bastante. Contudo, era um modo de estar que ele respeitava mas que não lhe fazia sentido adoptá-lo também na sua vida. Assim, surgiu o desafio de valorizar uma relação democrática, baseada na aceitação e no respeito mútuo, para evitar sentir-me constantemente incomodada com as suas práticas opostas às minhas.
Como sabemos, a vivência em casal envolve a partilha de múltiplas situações do quotidiano e, para algumas pessoas, torna-se desagradável depararem-se diariamente com o modo de vida do qual se quiseram afastar. Simples actos (como ir ao supermercado, partilhar o frigorífico ou fazer uma refeição juntos) podem tornar-se emocionalmente complicados de gerir.
Existem diversos motivos plausíveis para acolher uma dieta vegetariana.
Quando o fazemos a pensar essencialmente em nós próprios, ambicionando melhorar a nossa saúde, é possível que não nos perturbe viver com alguém que compre carne ou lacticínios lá para casa. Nós optamos por não ingerir estes alimentos que consideramos prejudiciais, mas compreendemos que o outro os queira consumir. À partida, está no seu direito.
No entanto, a situação complexifica-se quando a nossa alimentação e todo o nosso estilo de vida assenta em crenças mais profundas. Ou seja, não mudamos apenas pela nossa saúde, mas também pela construção de um mundo mais justo e harmonioso.
Assim, ao adoptarmos uma dieta livre de produtos animais (e seus derivados) por questões ambientais ou por respeito aos direitos fundamentais de todos os animais, talvez não seja fácil deitarmo-nos ao lado de alguém que passou mais um dia a financiar o que nós lutamos convictamente para que acabe. Talvez não seja fácil conectarmos-nos com alguém que deseja ver as suas escolhas respeitadas, mas que não se preocupa em respeitar a dignidade de outros seres. Alguém que não considera o facto de as suas escolhas alimentares poderem aumentar ou diminuir o sofrimento, a fome, a devastação florestal no mundo…
De facto, o que escolhemos pôr no nosso prato tem um impacto, a vários níveis, muito maior do que habitualmente imaginamos.
“Amor, descasca-me aí esse ovo cozido” ou “Serve-me mais um bife, por favor” parece algo banal de ouvir entre um casal, no entanto ficou a ecoar na minha mente até perceber que não é normal viver e permanecer em conflito de valores.
Ser gentil e servir o bife ou mostrar que a repetição continua destes actos me afastam daquilo que eu sou? O amor deve elevar-nos e potenciar-nos, em vez de nos dividir entre o que devemos ser e o que verdadeiramente somos.
Todos os dias acordamos pessoas um pouco diferentes do que fomos ontem – estamos constantemente a evoluir e a mudar – e daí a importância de reconhecermos quem somos hoje e com que pessoas nos conectamos.
E não vale afastarmo-nos de quem somos para nos aproximarmos do outro, porque estarmos de corpo e alma, onde escolhemos estar, é um acto de respeito por nós próprios.
Por um lado, existem casais que não partilham o mesmo regime alimentar e que vivem em plena harmonia, tornando-se até uma experiência construtiva que pode ajudar-nos a desenvolver a capacidade de observar sem julgar.
Por outro lado, para determinadas pessoas, viver com alguém que não partilhe dos mesmos ideais é sinónimo de permanente incompatibilidade. Neste caso, é possível que as pessoas se sintam somente atraídas por quem já defende os mesmos princípios éticos ou por quem se abre a um processo de assimilação – uma conversão ao estilo de vida do outro, em prol da relação. É importante salientar que não se trata de um modo de submissão de um perante o outro, mas sim de um despertar de consciências. De facto, tem sido cada vez mais frequente testemunhar a gratidão daquele que desperta para outro estilo de vida repleto de novas oportunidades.
Questionem a adopção dos hábitos irreflectidos que, por vezes, nos são apresentados sob a forma de necessidades. De seguida, saboreiem a oportunidade de viver sem oprimir, de comer sem violentar. Experimentem definirem-se pela forma como tratam aqueles que são mais vulneráveis.
O vegetarianismo não é uma dieta de restrição. É uma expansão da justiça a todas as espécies. É uma ampliação da nossa alimentação a todo o reino vegetal e usufruir da vitalidade que este nos pode oferecer.
E lembrem-se: cada refeição é um voto para a indústria que querem que vigore. Eu voto na construção de um mundo que se rege pelo melhor sentimento: o amor.
One thought on “O Amor (Não) Escolhe Dietas | Veggie Mind por Margarida Pereira”
Cá em casa acontece precisamente isso; eu e a minha filha somos vegetarianas, o meu filho e marido são omnívoros. Normalmente as pessoas mostram-se perplexas por eu ter que cozinhar comidas diferentes, pelo trabalho que isso me causa. Para mim isso é de somenos importância; o que me custa de facto é ter de lidar com cadáveres na minha cozinha, no frigorífico, cozinhá-los e tê-los à mesa. Porém, já consegui estabelecer 2 refeições vegetarianas semanais para todos, e o meu filho cada vez gosta mais, e troca. Tenho que respeitar o tempo da minha família, foi uma mudança que eu fiz em consciência e espero que um dia todos cá em casa a façam. Mas convenhamos, não é fácil..